Imembuí era a filha do cacique de uma tribo de índios que vivia em terras onde, nos tempos atuais, se localiza a cidade de Santa Maria.

Como a indiazinha havia nascido quando sua mãe tomava banho de riacho, seu batismo não poderia ter sido mais apropriado. Recebeu um nome que significa "filha das águas".

Mais do que primogênita do cacique, Imembuí também era a mais bonita de todas as índias da tribo. E por isso era disputada, desejada, galanteada e procurada pelos guerreiros. A bela, no entanto, não dava importância a nenhum deles. Desconversava, se fazia de desentendida, deixava todos sem eira nem beira. Entre os desprezados, o que mais sofria era Acangatu, por quem Imembuí nutria uma profunda amizade, mas sem corresponder-lhe na paixão.

Em questões de amor, Imembuí alimentava o sonho de se apaixonar por alguém diferente. E o destino em breve se encarregaria de trazer esse alguém.

Para desespero dos covardes e alegria daqueles que ansiavam por provar seu valor no campo de batalha, volta e meia as tribos que viviam nesses pagos tinham de lutar contra os bandeirantes, que desciam lá de São Paulo em busca de índios para capturá-los e vendê-los como escravos. Eram peleias ferozes, nas quais os brancos empunhavam espadas e armas de fogo contra as flechas e as lanças dos índios. Os nativos quase sempre acabavam levando o pior.

Numa dessas lutas, no entanto, Tupã resolveu dar uma ajuda aos seus protegidos.

Já experientes nesse tipo de combate, os guerreiros da tribo de Imembuí conseguiram sobrepujar os invasores brancos. Acangatu foi um dos que mais se destacaram na luta, matando e ferindo os inimigos, salvando e inspirando os do seu lado. Voltou para a aldeia celebrado como um grande guerreiro, o sucessor natural do cacique. Imembuí nem reparou, não disse uma palavra sequer, ferindo ainda mais o coração de Acangatu.

Com a supremacia naquela batalha, os índios conseguiram fazer um prisioneiro, que foi levado para a aldeia com muita festa, símbolo da vitória dos guaranis sobre o homem branco.

Mas aí surgiu uma questão: o que fazer com o capturado?

Primeiro alguém se encarregou de dar-lhe um nome: Moroti, que em guarani serve para chamar tudo o que tem a cor branca. A tribo não era de canibais, assim a única coisa que restava fazer com Moroti, depois da batalha era deixá-lo preso, uma espécie de troféu em exposição, enquanto não se decidia o que fazer com ele.

Não demorou muito para que Imembuí passasse a mostrar interesse por Moroti. Ele era diferente dos qüeras de sua tribo: tinha pele alva, olhos claros, modos e roupas distintas, além de falar uma língua estranha. Tanta diferença acabou atraindo a indiazinha, que até aquele momento nunca sentira atração por alguém.

Moroti logo reparou que vinha sendo observado com especial atenção por Imembuí. Seu destino era incerto, amanhã ou depois os índios poderiam decidir matá-lo sob qualquer pretexto.

E assim, em meio às dúvidas do que viria acontecer ao prisioneiro branco, os dois jovens começaram a se apaixonar, discretamente. Trocavam sorrisos, saudações, um que outro olhar maroto de revesgueio, cheio de intenções por detrás.

Logo Imembuí já estava servindo comidas especiais para Moroti, que agradecido saboreava as iguarias e fazia cara de satisfeito. Aos poucos o branco entendendo a língua dos índios e já podia se envolver em longas conversas com Imembuí, que ia lhe ensinando os costumes e as tradições da tribo.

Quem não gostou nada dessa história de namoro foi o rejeitado Acangatu. Quando descobriu o que estava acontecendo, recorreu ao conselho da tribo, exigindo providências. Se Imembuí não podia ser de ninguém do seu povo, e muito menos dele próprio, que Moroti fosse morto por seu atrevimento.

Os anciões e o pajé respeitavam muito Acangatu por sua valentia na guerra e sua liderança entre os índios. Decidiram, então, que o prisioneiro branco deveria morrer.

Ao saber da sentença, Imembuí correu ao seu pai e cacique, desesperada.

- Meu pai, por favor, não mate Moroti!

- Filha, as leis da tribo são severas. Não pode ser permitido um amor impuro entre um prisioneiro branco e a filha do chefe.

- Pois então liberte Moroti. Nós nos amamos.

- Libertá-lo para que ele fuja e traga mais brancos como ele para destruir nossa aldeia?

- Não. Moroti é um dos nossos agora. Liberte-o para que ele se case comigo.

As intenções de Moroti pegaram o cacique de surpresa. Comovido, o chefe índio o libertou e abençoou o casamento dele com sua filha. Acangatu, agora mais triste do que nunca, fugiu para o meio do mato, incapaz de ver a felicidade de Imembuí nos braços de outro.

Moroti e Imembuí tiveram muitos filhos, e os descendentes do casal povoaram a região, tornando-se assim os fundadores da cidade de Santa Maria.

 

 

 

Texto: Fascículo 3 de "Lendas gaúchas", publicação de Zero Hora Companhia Jornalistíca.
Edição, pesquisa e textos de Pedro Haase Filho.2000.
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